O diálogo
As primeiras palavras evangelísticas de Cristo, registradas na Bíblia, foram: “O que vocês querem?” Oh, foi uma pergunta!
João
Batista estava na companhia de dois discípulos quando viu Jesus passar.
Na hora ele disse: “Eis o Cordeiro de Deus!” Os dois discípulos,
ouvindo isso, seguiram Jesus. E este, que não somente sabia toda a
verdade, mas é a Verdade, voltando-se para eles, lhes fez uma pergunta,
um convite para o diálogo.
Eu, e talvez você
também, fomos orientados a pensar em evangelismo como um monólogo. Eu
tenho a verdade, o meu vizinho não a tem. Eu falo e ele escuta. Certo?
Um bom evangelista é aquele que fala bem. Não faz muitas perguntas. É
especialista em respostas. Só que, muitas vezes, isso não funciona.
Especialmente quando se trata dos nossos vizinhos.
A postura de conhecedor, de superior, é impessoal e ofensiva às pessoas. Um dos moradores do nosso bairro desabafou um dia:
“Não
entendo esse pessoal. O cara chega ao meu portão e dispara a falar que
nem metralhadora. Não sei se ele tem um número de pessoas para
evangelizar por dia, ou se ganha dinheiro com isso, ou sei lá o quê...”
Eu não tive como lhe responder.
Quando
adotamos o método de evangelismo ao estilo “monólogo”, descobrimos que
as pessoas não nos escutam. Nem fizemos a metade da nossa apresentação e
aparecem os bocejos e os sinais de aborrecimento e de cansaço. Então
passamos a falar mais alto ou mais enfaticamente.
Jesus
começou sua carreira missionária com uma pergunta. Quem sabe, se
seguirmos esse exemplo simples dele e começarmos a fazer perguntas e a
ouvir respostas, quebraremos a “síndrome do monólogo” e ganharemos o
direito de sermos ouvidos?
O processo
No
texto citado, Jesus tem encontros rápidos e transformadores com vários
jovens. Entretanto nem tudo foi tão instantâneo... Eram instantes em um
processo. Esse processo começara havia mais de vinte anos na formação
religiosa daqueles jovens judeus, culminando anos depois em maturidade e
em um honrado apostolado. Mesmo na ocasião em que deram os primeiros
passos, levaram ainda alguns meses até se decidirem por seguir a Jesus
definitivamente (Mt 4). O encontro com ele era um momento crucial, com certeza, mas fazia parte de um processo.
Aqui
encontramos outra “síndrome” que nos afasta da simplicidade de Jesus e
nos causa muita ansiedade. Achamos que é nosso dever levar as pessoas a
uma decisão imediata. Temos a idéia de que, se encontrarmos a palavra
certa, se tivermos uma unção mais poderosa ou uma técnica mais apurada, a
pessoa irá se render aos pés de Jesus imediatamente.
Na
Rua Lajeado, minha tarefa não é ganhar todo mundo “de uma tacada só”.
Preciso de sabedoria para discernir em que posição as pessoas se
encontram nesse processo, e ajudá-las a dar o passo seguinte. Nem sempre
aquela é a hora de ganhar a pessoa. Alguns vizinhos têm necessidades
físicas que precisam ser atendidas primeiro, e outros carecem de bons
modelos para se sentirem motivados. Em determinados casos, será
necessário derrubar as barreiras intelectuais. Tenho vizinhos que
precisam de libertação espiritual, porque tiveram envolvimento com o
espiritismo. Muitos necessitam de oração. É bom dar-lhes um pouco de
tempo. Assim o coração deles pode amolecer a ponto de reconhecerem sua
necessidade de Deus. Chegará a hora da persuasão, do confronto e da
decisão, mas nem sempre o dia é hoje.
Sem
pressão, sem necessidade de mostrar serviço, preciso fazer minha
parte... e você, na sua rua, fazer a sua. Como Jesus, com muita
simplicidade, precisamos discernir em que etapa a pessoa se encontra em
seu “processo”, e ajudá-la a seguir adiante. Devemos procurar ser
amigos, dar bom exemplo, emprestar um livro, explicar a Bíblia, oferecer
oração, ou convidar para ir à igreja. Acompanharemos a cadência do
trabalho do Espírito na vida do vizinho.
O tratamento individual
Nos versículos 29 a 51, podemos observar as diversas formas que Jesus usou para chamar aqueles homens para segui-lo.
Vejamos como o chamado é diferente para cada pessoa:
– João Batista recebe uma revelação vinda diretamente de Deus (vv. 29-34).
– André e o outro discípulo passaram o dia com Jesus (v. 39).
– Simão Pedro, levado pelo irmão, encontra-se com Jesus e este muda-lhe o nome (vv. 40-42).
– Jesus encontra Filipe e lhe dá uma ordem: “Segue-me” (v. 43).
–
Natanael, depois de ouvir Filipe, aproxima-se de Jesus cheio de dúvidas
e se rende diante do conhecimento sobrenatural dele (vv. 45-51).
Precisamos
deixar Jesus trabalhar de forma singular na vida das pessoas. Às vezes
tentamos ser mais organizados do que Deus! Levanta-se a “síndrome da
metodologia”. Somos fascinados por categorias, métodos e fórmulas.
(Quatro temperamentos, sete tipos de inteligência, quatro leis
espirituais...) Mas o fascínio de Deus é para cada pessoa,
individualmente. O importante não é onde elas fizeram o compromisso ou o
que elas disseram, mas o resultado final, se o indivíduo se arrependeu
dos pecados, exerceu fé em Jesus e se relaciona com ele.
É
como nas histórias de amor e casamento. Cada uma é diferente. Um amigo
meu viu aquela que seria sua esposa no outro lado de uma sala e disse
consigo mesmo: “É ela”, e pronto. Outros cresceram juntos na mesma rua, e
a amizade tomou um rumo diferente. Alguns fizeram da cerimônia um
espetáculo suntuoso. Já outros se casaram na sala da sua humilde casa.
Mas o importante é que todos vivam um relacionamento de amor.
No
reino de Deus é assim também. Alguns não sabem a hora em que fizeram a
decisão, foram batizados da forma “errada”, não tiveram um discipulado
formal, ainda não conseguiram deixar de fumar, e são discípulos de
Cristo. Por outro lado, há pessoas que sabem o dia da conversão, dominam
o vocabulário evangélico, foram batizados por imersão e falam em
línguas estranhas, mas não demonstram as marcas de um discípulo de
Jesus.
As pessoas da Rua Lajeado não entrarão
no reino de maneira idêntica. Daqueles que já se decidiram,cada uma vem
por um caminho próprio. O primeiro homem a se converter, angustiado por
uma separação conjugal, leu um livro sobre perdão e depois se decidiu em
um culto público. Outra vizinha, após receber oração por uma
enfermidade, orou sozinha e falou que “nasceu de novo”. O marido dela
vem acompanhado-a, devagar e sempre. Mãe e filha oraram em minha casa
junto com minha esposa. Cada uma foi a Jesus de forma diferente,mas
vivem hoje um relacionamento com ele.
Os Relacionamentos
É interessante notar no texto de João o importante papel dos relacionamentos nas primeiras conversões a Jesus.
Vejamos a seqüência:
- João Batista era primo de Jesus.
- João indica Jesus a seus discípulos, e um destes era André.
- André apresenta Pedro.
- Filipe, da mesma cidade e provavelmente um conhecido da turma, leva Natanael.
Parece
que complicamos muito essa forma simples de Jesus que aproveitava os
contos naturais. Esquecemo-nos de que até hoje a maioria das pessoas vem
para Jesus por meio de relacionamentos, talvez até em 80% dos casos,
segundo alguns pesquisadores.
Nos dias de hoje,
somos acometidos pela “síndrome da mídia”. Estamos cada vez mais
envolvidos com tecnologia. É rádio, televisão, telemensagens,
publicações, placas luminosas e agora a Internet. E enquanto estamos
comprometidos com projetos mirabolantes, não cultivamos relacionamentos –
com parentes, amigos, colegas de trabalho e vizinhos – que oferecem
maior potencial para a evangelização.
Com
certeza Jesus ganhou pessoas nos encontros casuais que teve através das
pregações que fez às multidões, e não duvido de que aproveitaria a mídia
atualmente. Porém, nesse primeiro episódio missionário dele, como na
maioria dos casos hoje,o evangelho se alastra por meio de
relacionamentos. Olhemos para nossa experiência. Qual foi a influência
principal no processo de aceitarmos a Cristo? Uma família? Um colega da
escola ou do trabalho? Um vizinho? Façamos uma pesquisa entre os membros
da nossa igreja. Ficaremos surpresos. Na sua grande maioria, as pessoas
foram alcançadas por meio de relacionamentos.
Isso
quer dizer o quê, para mim, que moro na Rua Lajeado? Que preciso
aprender a me relacionar melhor com os não-cristãos da minha rua. Meu
maior desafio não é aperfeiçoar minha técnica evangelística, mas me
relacionar com naturalidade e amor. Meus vizinhos não são “escalpos” ou
troféus para provar minha espiritualidade. São pessoas de inestimável
valor, portadoras da imagem de Deus. Eu também sou humano. Preciso me
relacionar com eles não como pastor, nem guru, mas como um homem frágil
que foi transformado por Jesus. Jogar conversa fora (bater um bom papo) Requer tempo para
conversas na frente de casa sobre serviço, política e cortadores de
grama (risos). Para as mulheres, uma xícara de açúcar emprestada e o chá para
curar uma gripe é o caminho. É mostrar interesse pela pessoa como
pessoa, não como “alma”. Usando a ponte de relacionamento, mais pessoas
virão a Jesus.
O evangelismo simples de Jesus nos ajuda a ver com mais clareza o que Deus quer de nós, na nossa vizinhaça
Por envolver diálogo, preciso me preocupar em fazer perguntas e esperar as respostas;
Por ser um processo, não preciso me apavorar em chegar ao alvo imediatamente;
Por
ser individual, minha preocupação não deve ser com os detalhes de um
método perfeito, mas deve ser levar as pessoas a um relacionamento com
Deus;
Por ser relacional, minha tarefa é construir pontes de amizade.
Fonte: Revista Mensagem da Cruz
Patrick Dugan reside em São Leopoldo, RS.
É missionário norte-americano e um dos diretores da Editora Betânia.
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